Problematização da utilização do
Ensino Remoto nos Cursos Superiores presenciais em tempos de pandemia de COVID-19
Flávio Boleiz Júnior
CE - UFRN
Ultimamente, em função da
pandemia de Covid-19, tem-se cogitado a utilização do Ensino a Distância como
forma de substituição das aulas em cursos presenciais das Universidades pelo
Brasil a fora. Algumas Instituições de Ensino Superior, principalmente
privadas, já estão se utilizando de aulas online
com esse objetivo. Entretanto essas iniciativas, queremos afirmar, vão na
contramão de um trabalho sério e voltado para uma educação de qualidade
socialmente referendada no Ensino Superior.
Em primeiro lugar, gostaria de
destacar o fato de que Ensino Presencial e Ensino a Distância possuem
peculiaridades muito diferentes entre si. O Ensino Presencial de qualidade
prima pelo diálogo e pelas discussões por vezes acaloradas que se multiplicam
nas salas de aula. Para tanto necessita da presença dos atores que compõem o
processo de ensino e aprendizagem. Por mais avançados que se encontrem as
ferramentas de videoconferência, não é possível, ainda, trabalhar durante uma
aula remota com a formação de grupos em que os discentes dialoguem, sob a
supervisão docente, e levantem questionamentos a serem debatidos por toda a
turma como forma de aprofundamento e produção de conhecimento. No Ensino a
Distância é possível a formação de grupos de trabalho, mas sem a simultaneidade
que requer um planejamento dialógico dessa monta.
Talvez, com o avanço tecnológico
que se atualiza diariamente, surjam ferramentas capazes de auxiliar as turmas a
debaterem e participarem da aula remota ao mesmo tempo, entretanto, ainda
assim, muitos são os alunos que acessam computadores apenas na própria
universidade ou em lanhouses - mais
de 38% dos alunos das Universidades públicas não possuem computador em casa -,
o que definitivamente impossibilita o uso do Ensino a Distância em substituição
ao Ensino Presencial nas Universidades. Afinal de contas se a ideia for manter
o isolamento, não faz sentido abrir os laboratórios de informática das
Universidades e muito menos esperar que os alunos procurem por lanhouses num momento destes para se
atualizarem acerca das aulas remotas.
Outra peculiaridade do Ensino a
Distância diz respeito ao modo como se planejam e executam as aulas. Geralmente
utiliza-se um software chamado de
Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) dotado de várias ferramentas pensadas e
produzidas para utilização em Ensino a Distância. O uso desse programa de
computadores demanda formação adequada tanto dos docentes, que prepararão suas
aulas remotas, quanto dos discentes, que precisarão saber como utilizar o AVA para
poderem acompanhar as aulas. Essa formação demanda pelo menos pequenos
mini-cursos presenciais para que se aprenda o básico da utilização das
ferramentas, e o que se está querendo evitar é exatamente a presença de pessoas
num mesmo ambiente com o objetivo de se conter a proliferação da Covid-19.
Em segundo lugar há que se
considerar que a opção discente por Ensino a Distância se relaciona ainda com
certas aptidões adquiridas para acompanhamento de cursos nessa modalidade.
Muitas pessoas têm dificuldade, mesmo com computador em casa, de se disciplinar
para fazer um acompanhamento metódico dos cursos. Não é por acaso que os níveis
de evasão, nos cursos oferecidos por meio do Ensino a Distância, costumam ser
bem mais elevados do que nos cursos presenciais. Havemos de levar em conta que
não desejamos ver as turmas presenciais, submetidas ao Ensino a Distância,
minguando em quantidade de alunos, em função da falta dessa aptidão para
realização de cursos a distância.
Em terceiro lugar, é uma minoria
de professores que estão formados e familiarizados com o planejamento e a
produção de aulas para o Ensino remoto. Tele-aulas gravadas em estúdio até que
podem apresentar alta qualidade de produção e apresentação, entretanto isso
demanda experiência que poucos professores acumularam até o momento. Além
disso, se formos pensar em aulas a distância oferecidas aos alunos dos cursos
presenciais, haveremos de nos lembrar que além de não conhecerem os AVA
normalmente utilizados para aplicação de EaD, ainda há o problema de que a
Universidade conta com poucos recursos para produção de tele-aulas e suporte
para atendimento a todos os professores que sempre somente trabalharam com
Ensino Presencial.
Em quarto lugar, complementando o
que já foi citado acima, a ferramenta de que disporíamos no momento em algumas
de nossas Universidades Federais para preparação e oferecimento de Ensino a
Distância para todos os alunos da Universidade, seria o SIGAA. Trata-se de uma
boa ferramenta de apoio ao trabalho docente, mas não se constitui plenamente
como um AVA, deixando muito a desejar em termos de avanços tecnológicos e de
informação quando comparado, por exemplo com o MOODLE, que é utilizado especificamente nos cursos de Ensino a
Distância de várias Universidades.
Poder-se-ia questionar o porque
de não se cadastrar os alunos das Universidades para utilização de AVA do tipo
do MOODLE, mas como dissemos
anteriormente isso demandaria uma certa quantidade de mão de obra (para o
cadastro de cada usuário propriamente dito), mini-cursos de formação para os
docentes e para os discentes que utilizariam esse software.
Outros argumentos podem ser
levantados e discutidos com o objetivo de se pensar o Ensino a Distância para
discentes do Ensino Presencial, entretanto acredito que o que foi apresentado
até aqui já demonstra o impedimento da utilização do Ensino Remoto como forma
eficaz e eficiente de se garantir uma educação de qualidade para nossos alunos.
Para o momento, o melhor é
aguardarmos até que as coisas se normalizem - ou pelo menos se aproximem o
suficiente do normal - para voltarmos às aulas presenciais.
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