sexta-feira, 8 de maio de 2020

Problematização da utilização do Ensino Remoto nos Cursos Superiores presenciais em tempos de pandemia de COVID-19


Problematização da utilização do Ensino Remoto nos Cursos Superiores presenciais em tempos de pandemia de COVID-19

Flávio Boleiz Júnior
CE - UFRN

Ultimamente, em função da pandemia de Covid-19, tem-se cogitado a utilização do Ensino a Distância como forma de substituição das aulas em cursos presenciais das Universidades pelo Brasil a fora. Algumas Instituições de Ensino Superior, principalmente privadas, já estão se utilizando de aulas online com esse objetivo. Entretanto essas iniciativas, queremos afirmar, vão na contramão de um trabalho sério e voltado para uma educação de qualidade socialmente referendada no Ensino Superior.

Em primeiro lugar, gostaria de destacar o fato de que Ensino Presencial e Ensino a Distância possuem peculiaridades muito diferentes entre si. O Ensino Presencial de qualidade prima pelo diálogo e pelas discussões por vezes acaloradas que se multiplicam nas salas de aula. Para tanto necessita da presença dos atores que compõem o processo de ensino e aprendizagem. Por mais avançados que se encontrem as ferramentas de videoconferência, não é possível, ainda, trabalhar durante uma aula remota com a formação de grupos em que os discentes dialoguem, sob a supervisão docente, e levantem questionamentos a serem debatidos por toda a turma como forma de aprofundamento e produção de conhecimento. No Ensino a Distância é possível a formação de grupos de trabalho, mas sem a simultaneidade que requer um planejamento dialógico dessa monta.

Talvez, com o avanço tecnológico que se atualiza diariamente, surjam ferramentas capazes de auxiliar as turmas a debaterem e participarem da aula remota ao mesmo tempo, entretanto, ainda assim, muitos são os alunos que acessam computadores apenas na própria universidade ou em lanhouses - mais de 38% dos alunos das Universidades públicas não possuem computador em casa -, o que definitivamente impossibilita o uso do Ensino a Distância em substituição ao Ensino Presencial nas Universidades. Afinal de contas se a ideia for manter o isolamento, não faz sentido abrir os laboratórios de informática das Universidades e muito menos esperar que os alunos procurem por lanhouses num momento destes para se atualizarem acerca das aulas remotas.

Outra peculiaridade do Ensino a Distância diz respeito ao modo como se planejam e executam as aulas. Geralmente utiliza-se um software chamado de Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) dotado de várias ferramentas pensadas e produzidas para utilização em Ensino a Distância. O uso desse programa de computadores demanda formação adequada tanto dos docentes, que prepararão suas aulas remotas, quanto dos discentes, que precisarão saber como utilizar o AVA para poderem acompanhar as aulas. Essa formação demanda pelo menos pequenos mini-cursos presenciais para que se aprenda o básico da utilização das ferramentas, e o que se está querendo evitar é exatamente a presença de pessoas num mesmo ambiente com o objetivo de se conter a proliferação da Covid-19.

Em segundo lugar há que se considerar que a opção discente por Ensino a Distância se relaciona ainda com certas aptidões adquiridas para acompanhamento de cursos nessa modalidade. Muitas pessoas têm dificuldade, mesmo com computador em casa, de se disciplinar para fazer um acompanhamento metódico dos cursos. Não é por acaso que os níveis de evasão, nos cursos oferecidos por meio do Ensino a Distância, costumam ser bem mais elevados do que nos cursos presenciais. Havemos de levar em conta que não desejamos ver as turmas presenciais, submetidas ao Ensino a Distância, minguando em quantidade de alunos, em função da falta dessa aptidão para realização de cursos a distância.

Em terceiro lugar, é uma minoria de professores que estão formados e familiarizados com o planejamento e a produção de aulas para o Ensino remoto. Tele-aulas gravadas em estúdio até que podem apresentar alta qualidade de produção e apresentação, entretanto isso demanda experiência que poucos professores acumularam até o momento. Além disso, se formos pensar em aulas a distância oferecidas aos alunos dos cursos presenciais, haveremos de nos lembrar que além de não conhecerem os AVA normalmente utilizados para aplicação de EaD, ainda há o problema de que a Universidade conta com poucos recursos para produção de tele-aulas e suporte para atendimento a todos os professores que sempre somente trabalharam com Ensino Presencial.

Em quarto lugar, complementando o que já foi citado acima, a ferramenta de que disporíamos no momento em algumas de nossas Universidades Federais para preparação e oferecimento de Ensino a Distância para todos os alunos da Universidade, seria o SIGAA. Trata-se de uma boa ferramenta de apoio ao trabalho docente, mas não se constitui plenamente como um AVA, deixando muito a desejar em termos de avanços tecnológicos e de informação quando comparado, por exemplo com o MOODLE, que é utilizado especificamente nos cursos de Ensino a Distância de várias Universidades.
Poder-se-ia questionar o porque de não se cadastrar os alunos das Universidades para utilização de AVA do tipo do MOODLE, mas como dissemos anteriormente isso demandaria uma certa quantidade de mão de obra (para o cadastro de cada usuário propriamente dito), mini-cursos de formação para os docentes e para os discentes que utilizariam esse software.

Outros argumentos podem ser levantados e discutidos com o objetivo de se pensar o Ensino a Distância para discentes do Ensino Presencial, entretanto acredito que o que foi apresentado até aqui já demonstra o impedimento da utilização do Ensino Remoto como forma eficaz e eficiente de se garantir uma educação de qualidade para nossos alunos.

Para o momento, o melhor é aguardarmos até que as coisas se normalizem - ou pelo menos se aproximem o suficiente do normal - para voltarmos às aulas presenciais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário