sexta-feira, 1 de maio de 2020

EaD na Educação Infantil


EaD na Educação Infantil


Flavio Boleiz Júnior
CE - UFRN

A ideia de se substituir as aulas das escolas de Educação Básica e mesmo das Universidades por Ensino a Distância é, no mínimo, estapafúrdia.

Na Educação Infantil essa ideia é mais que estapafúrdia. É uma ideia antieducativa. A Educação Infantil compreende o período quando o mais importante é propiciar às crianças condições para seu desenvolvimento físico - e intelectual por conseguinte. Para tanto, o mais importante é brincar. Mas não brincar com jogos eletrônicos ou com o computador: brincar usando o próprio corpo num esforço de desenvolvimento da coordenação motora ampla e com muito "faz de conta".

As crianças precisam brincar de roda, de boneca e carrinho, brincar de casinha, de médico, de lixeiro, brincar com cantigas tradicionais e canções em geral adequadas para a idade, brincar com blocos lógicos, com lego, com brinquedos de encaixe, com caixas de papelão, com papel, tinta e canetões coloridos, dentre outros jogos e brincadeiras. Se possível, as crianças devem também brincar com plantas (que elas aprendam a plantar), na cozinha (sob a supervisão de um adulto), na banheira... e precisam correr, pular, virar cambalhotas, caminhar, engatinhar, preferencialmente ao ar livre.

Nas idades pré-escolares, são essas atividades que prepararão a criança para o processo de alfabetização e de produção de conhecimentos científicos, tudo isso graças ao desenvolvimento do maior repertório possível de atividades que a leve a conhecer e dominar o próprio corpo e a imaginação.

Colocar uma criança em idade pré-escolar para ficar fazendo lições com cadernos, apostilas e folhas mimeografadas ou xerocadas com exercícios sejam lá do tipo que forem, denota desconhecimento acerca do processo de desenvolvimento infantil. E infelizmente é exatamente o que fazem a grande maioria das escolas de Educação Infantil. O curioso é que a literatura científica e os cursos de formação de professores ensinam que o importante para as crianças seja o brincar, mas os pedagogos e as pedagogas parecem esquecer de tudo que aprenderam em seus cursos de graduação. Especialmente os donos de escola, mais preocupados com seus lucros do que com o processo de ensino e aprendizagem dos seus pequenos clientes, simplesmente deixam de lado o que é melhor para as crianças e adotam apostilas, sistemas educativos dos mais variados tipos e vendem aos pais a ideia falaciosa de que quanto mais cedo a criança iniciar o aprendizado baseado no uso de lápis, cadernos, desenhos prontos, apostilas, computadores e outras ferramentas tecnológicas, melhor irá se desenvolver.

Criança precisa brincar. E muito.

O papel de uma boa escola de Educação Infantil é oferecer à criança a maior quantidade de possibilidades possível de brincadeiras. Só isso!

Não é por acaso que cada vez mais alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental encontram dificuldade para se alfabetizar. A maioria das escolas de Educação Infantil as entupiram de atividades, digamos assim, escolares, com muitos exercícios, muitas lições na própria escola e tarefas para casa para encher o tempo dos pequenos, e deixou de prepará-las para a alfabetização.

Mas por que é que são as brincadeiras, e não as lições escolares na Educação Infantil, que preparam as crianças para a alfabetização?

Nossa escrita é toda simbólica. Cada letra é um símbolo que se junta a outros símbolos para a formação de palavras. Além disso, nossa linguagem - a linguagem humana - é toda simbólica. Cada palavra simboliza um significado e um significante. O significante é a “forma”, o “corpo” que se vê ou que se ouve – da palavra –, já o significado corresponde ao conteúdo, ao que é representado pelo conjunto de sons e letras que constituem essa palavra. Ambos se complementam, de modo que o conceito corresponde ao significado, e a imagem acústica, ao significante[[i]]. Aprender a lidar com a linguagem escrita demanda domínio da formação de imagens associadas a letras e sons. Para tanto, é necessário que se tenha brincado muito de "faz de conta".

Quando uma criança brinca com uma caneta perfilando-a no ar como se fosse um avião, está treinando associar um objeto a um avião, portanto está se preparando para utilizar as relações entre significantes, significados e as palavras em si. Portanto está se preparando para ser alfabetizada.

As crianças são muito inteligentes. Quando se as submete a exercícios escolares de alfabetização muito cedo, claro que elas acabam aprendendo a imitar as letras copiando-as. Aprendem a escrever palavras e com o passar do tempo acabam aprendendo a lê-las também, mas acabam apresentando dificuldade para compreensão daquilo que leem. Não é por acaso que vemos crianças que conseguem ler, com alguma pequena dificuldade, mas conseguem ler frases simples aos 5 ou 6 anos de idade, tipo "a casa é bonita"; mas não são capazes de dizer o que significa aquilo que leram. Leem mais ou menos assim: " - A c ca ss ccassa caza e é b bo nit ta. A caza é bonita." Mas perguntadas do significado daquilo que acabaram de ler, respondem: "- Não sei.". Essa alfabetização capenga que acompanha a escolarização de muitas crianças durante o Ensino Fundamental iniciou-se antes do momento certo e sem que o educando estivesse preparado física e psicologicamente para tanto.

Diante dos argumentos até aqui expostos, pergunta-se: para que serve colocar a criança pré-escolar diante da tela de um computador com lições a distância enviadas pela sua professora em tempos de pandemia? A resposta só pode ser: para nada, a não ser atrapalhar seu processo natural de desenvolvimento cognoscente. 

A pré-escola de seu filho está mandando lições e tarefas escolares para serem realizadas durante a quarentena? Que tal procurar uma outra escola que demonstre contar com profissionais que realmente entendam de desenvolvimento infantil?

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