EaD na Educação Infantil
Flavio Boleiz Júnior
CE - UFRN
A ideia de se substituir as aulas
das escolas de Educação Básica e mesmo das Universidades por Ensino a Distância
é, no mínimo, estapafúrdia.
Na Educação Infantil essa ideia é
mais que estapafúrdia. É uma ideia antieducativa. A Educação Infantil
compreende o período quando o mais importante é propiciar às
crianças condições para seu desenvolvimento físico - e intelectual por
conseguinte. Para tanto, o mais importante é brincar. Mas não brincar com jogos
eletrônicos ou com o computador: brincar usando o próprio corpo num esforço de
desenvolvimento da coordenação motora ampla e com muito "faz de
conta".
As crianças precisam brincar de
roda, de boneca e carrinho, brincar de casinha, de médico, de lixeiro, brincar
com cantigas tradicionais e canções em geral adequadas para a idade, brincar
com blocos lógicos, com lego, com brinquedos de encaixe, com caixas de papelão,
com papel, tinta e canetões coloridos, dentre outros jogos e brincadeiras. Se
possível, as crianças devem também brincar com plantas (que elas aprendam a
plantar), na cozinha (sob a supervisão de um adulto), na banheira... e precisam
correr, pular, virar cambalhotas, caminhar, engatinhar, preferencialmente ao ar
livre.
Nas idades pré-escolares, são
essas atividades que prepararão a criança para o processo de alfabetização e de
produção de conhecimentos científicos, tudo isso graças ao desenvolvimento do
maior repertório possível de atividades que a leve a conhecer e dominar o
próprio corpo e a imaginação.
Colocar uma criança em idade
pré-escolar para ficar fazendo lições com cadernos, apostilas e folhas
mimeografadas ou xerocadas com exercícios sejam lá do tipo que forem, denota
desconhecimento acerca do processo de desenvolvimento infantil. E infelizmente
é exatamente o que fazem a grande maioria das escolas de Educação Infantil. O
curioso é que a literatura científica e os cursos de formação de professores
ensinam que o importante para as crianças seja o brincar, mas os pedagogos e as
pedagogas parecem esquecer de tudo que aprenderam em seus cursos de graduação.
Especialmente os donos de escola, mais preocupados com seus lucros do que com o
processo de ensino e aprendizagem dos seus pequenos clientes, simplesmente deixam de lado o que é melhor para as
crianças e adotam apostilas, sistemas educativos dos mais variados tipos e vendem aos pais a ideia falaciosa de que
quanto mais cedo a criança iniciar o aprendizado baseado no uso de lápis,
cadernos, desenhos prontos, apostilas, computadores e outras ferramentas
tecnológicas, melhor irá se desenvolver.
Criança precisa brincar. E muito.
O papel de uma boa escola de
Educação Infantil é oferecer à criança a maior quantidade de possibilidades
possível de brincadeiras. Só isso!
Não é por acaso que cada vez mais
alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental encontram dificuldade para se
alfabetizar. A maioria das escolas de Educação Infantil as entupiram de atividades, digamos assim, escolares, com muitos
exercícios, muitas lições na própria escola e tarefas para casa para encher o
tempo dos pequenos, e deixou de prepará-las para a alfabetização.
Mas por que é que são as
brincadeiras, e não as lições escolares na Educação Infantil, que preparam as
crianças para a alfabetização?
Nossa escrita é toda simbólica.
Cada letra é um símbolo que se junta a outros símbolos para a formação de
palavras. Além disso, nossa linguagem - a linguagem humana - é toda simbólica.
Cada palavra simboliza um significado e um significante. O significante é a “forma”, o “corpo”
que se vê ou que se ouve – da palavra –, já o significado corresponde ao conteúdo,
ao que é representado pelo conjunto de sons e letras que constituem essa
palavra. Ambos se complementam, de modo que o conceito corresponde ao significado, e a imagem acústica, ao significante[[i]]. Aprender a lidar
com a linguagem escrita demanda domínio da formação de imagens associadas a
letras e sons. Para tanto, é necessário que se tenha brincado muito de
"faz de conta".
Quando uma
criança brinca com uma caneta perfilando-a no ar como se fosse um avião, está
treinando associar um objeto a um avião, portanto está se preparando para
utilizar as relações entre significantes, significados e as palavras em si.
Portanto está se preparando para ser alfabetizada.
As crianças
são muito inteligentes. Quando se as submete a exercícios escolares de
alfabetização muito cedo, claro que elas acabam aprendendo a imitar as letras
copiando-as. Aprendem a escrever palavras e com o passar do tempo acabam
aprendendo a lê-las também, mas acabam apresentando dificuldade para
compreensão daquilo que leem. Não é por acaso que vemos crianças que conseguem
ler, com alguma pequena dificuldade, mas conseguem ler frases simples aos 5 ou
6 anos de idade, tipo "a casa é bonita"; mas não são capazes de dizer
o que significa aquilo que leram. Leem mais ou menos assim: " - A c ca ss
ccassa caza e é b bo nit ta. A caza é bonita." Mas perguntadas do
significado daquilo que acabaram de ler, respondem: "- Não sei.". Essa
alfabetização capenga que acompanha a escolarização de muitas crianças durante
o Ensino Fundamental iniciou-se antes do momento certo e sem que o educando
estivesse preparado física e psicologicamente para tanto.
Diante dos
argumentos até aqui expostos, pergunta-se: para que serve colocar a criança
pré-escolar diante da tela de um computador com lições a distância enviadas
pela sua professora em tempos de pandemia? A resposta só pode ser: para nada, a
não ser atrapalhar seu processo natural de desenvolvimento cognoscente.
A pré-escola
de seu filho está mandando lições e tarefas escolares para serem realizadas
durante a quarentena? Que tal procurar uma outra escola que demonstre contar
com profissionais que realmente entendam de desenvolvimento infantil?
[i] Confrontar
com: <https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-relacao-entre-significado-e-significante/16329>,
visitado em 1º/05/2020.
Nenhum comentário:
Postar um comentário