segunda-feira, 11 de maio de 2020

Técnicas Inovadoras no Ensino Superior

Técnicas Inovadoras no Ensino Superior

Flávio Boleiz Júnior

CE - UFRN

 

Parece que está caindo nas graças de muitos professores universitários a ideia de se trabalhar com práticas inovadoras. Em várias áreas do conhecimento, nos diferentes cursos superiores, tem-se falado - muito mais do que implementado - de inovações pedagógicas para serem utilizadas nos processos de ensino e aprendizagem. Alguns falam de "práticas", outros de "metodologias" e outrem de "técnicas", sempre buscando se referir a jeitos deferenciados de se ensinar, como meio de despertar o interesse discente que anda muito por baixo.

Mas o que são práticas inovadoras? No que consistem e como se constituem?

Parece um quase consenso que falar-se de práticas inovadoras se relaciona a pedagogias ativas que por sua vez se fazem com o uso de novas tecnologias da informação e da comunicação. Portanto, para que se realizem práticas inovadoras é necessário que se conte com computadores ou tablets ou, ainda, com smartfones para que se possa utilizar novos programas e aplicativos que simbolizam a inovação propriamente dita.

Entretanto, inovação, em educação, não diz respeito necessariamente ao uso de novas tecnologias. É possível trabalhar-se com práticas inovadoras utilizando-se os mesmos materiais didático-pedagógicos de sempre... só que de maneira inovadora!

Se pararmos para analisar rapidamente a composição de uma sala de aulas das universidades em geral, verificaremos que o velho método jesuítico ainda vige entre nós. Cadeiras enfileiradas, janelas altas, portas com frestas de vidro por onde se pode vigiar o trabalho docente. O mestre se posta à frente da turma que, obedientemente, se submete a suas aulas magistrais. Claro que ocorrem pequenas variações, que já são uma maneira de se quebrar a forma jesuítica de organização escolar, como a formação de pequenos grupos de discussão ou a organização de apresentação de seminários, certo? Errado! Também essas técnicas são bem antigas e utilizadas desde os tempos da Ratio Studiorum como fomento à competição entre os alunos.

Sendo assim, pequenas modificações na arrumação da sala de aulas já significam a introdução de técnicas inovadoras na educação. Por exemplo, organizar a sala de aulas em círculo ou em formato de "U", de modo que todos possam se ver e que o docente fique numa mesma posição que os alunos, já é um pequeno começo. A divisão de tarefas entre os discentes, individualmente ou em grupos, de modo que cada parte do aprendizado se possa produzir por uma fração do grande grupo, já é, também, uma prática inovadora.

É muito comum que os mestres universitários apresentem seus programas prontos aos discentes nos primeiros dias de aula, como pacote a se cumprir por parte de todos. Discutir abertamente o programa com os alunos para flexibilizar o planejamento das aulas é uma técnica muito inovadora.

Vários professores já planejam e executam estudos de campo, levando os alunos para conhecerem a realidade de sua área de formação: eis aí uma técnica inovadora. Outros professores aplicam avaliações formativas, em que os alunos aprendem ao mesmo tempo em que são avaliados, sem as paranóias docentes por medo de cola ou de "subterfúgios" discentes.

Mas a maior e melhor de todas as técnicas inovadoras, diz respeito ao respeito pelo repertório de conhecimentos que os alunos já trazem consigo de sua vivência pessoal na relação com os conhecimentos que se busca trabalhar em sala de aula. Escutar os alunos, conhecê-los e levar em conta o que eles já sabem acerca do que se deseja ensinar é, provavelmente, a mais inovadora e importante das técnicas de que um professor pode e deve lançar mão.  É por esse meio que se pode avançar para além do que se havia programado. É por esse meio, também, que se pode reprogramar os pontos de partida e de chegada com que é possível trabalhar. É por esse meio, ainda, que se pode orientar aqueles alunos mais avançados na busca de objetivos mais ousados, ou os alunos com maiores dificuldades para que alcancem o que é desejado. Afinal de conta, é dever do professor exigir o máximo de seus alunos, mas esse máximo é diferente para cada estudante.

Mas e as novas tecnologias? Afinal de contas elas não contam no que se refere às técnicas inovadoras? Claro que as novas tecnologias podem se transformar em importantes ferramentas na hora de se inovar em educação. Mas, de fato, elas não são o mais importante.

Importante realmente é a maneira como se concebe e se faz educação. Seja com novas tecnologias, quando se as possui e se as pode utilizar; seja com giz e lousa quando é do que dispomos para nosso trabalho docente. Um professor com uma concepção conservadora de educação fará uma educação nada inovadora, ainda que disponha de computadores, tablets, smartfones e aplicativos em abundância para utilizar em suas aulas. Já um docente com uma concepção progressista de educação será capaz de inovar criando inúmeras atividades para seus alunos, mesmo dispondo apenas de giz e lousa. Um exemplo disso é Cèlestin Freinet que, mesmo numa sala de aulas com apenas giz e lousa, inventou a roda da conversa, as aulas-passeio, os trabalhos em cantos de interesse e muito mais! Mas sobre Freinet teremos outras oportunidades de aprofundar...

Enfim, vale dizer que as técnicas inovadoras fazem sentido numa educação progressista e inovadora, sem o quê significariam apenas uma forma de variar a velha educação conservadora que tanto prima nas instituições de ensino que conhecemos.

 

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Problematização da utilização do Ensino Remoto nos Cursos Superiores presenciais em tempos de pandemia de COVID-19


Problematização da utilização do Ensino Remoto nos Cursos Superiores presenciais em tempos de pandemia de COVID-19

Flávio Boleiz Júnior
CE - UFRN

Ultimamente, em função da pandemia de Covid-19, tem-se cogitado a utilização do Ensino a Distância como forma de substituição das aulas em cursos presenciais das Universidades pelo Brasil a fora. Algumas Instituições de Ensino Superior, principalmente privadas, já estão se utilizando de aulas online com esse objetivo. Entretanto essas iniciativas, queremos afirmar, vão na contramão de um trabalho sério e voltado para uma educação de qualidade socialmente referendada no Ensino Superior.

Em primeiro lugar, gostaria de destacar o fato de que Ensino Presencial e Ensino a Distância possuem peculiaridades muito diferentes entre si. O Ensino Presencial de qualidade prima pelo diálogo e pelas discussões por vezes acaloradas que se multiplicam nas salas de aula. Para tanto necessita da presença dos atores que compõem o processo de ensino e aprendizagem. Por mais avançados que se encontrem as ferramentas de videoconferência, não é possível, ainda, trabalhar durante uma aula remota com a formação de grupos em que os discentes dialoguem, sob a supervisão docente, e levantem questionamentos a serem debatidos por toda a turma como forma de aprofundamento e produção de conhecimento. No Ensino a Distância é possível a formação de grupos de trabalho, mas sem a simultaneidade que requer um planejamento dialógico dessa monta.

Talvez, com o avanço tecnológico que se atualiza diariamente, surjam ferramentas capazes de auxiliar as turmas a debaterem e participarem da aula remota ao mesmo tempo, entretanto, ainda assim, muitos são os alunos que acessam computadores apenas na própria universidade ou em lanhouses - mais de 38% dos alunos das Universidades públicas não possuem computador em casa -, o que definitivamente impossibilita o uso do Ensino a Distância em substituição ao Ensino Presencial nas Universidades. Afinal de contas se a ideia for manter o isolamento, não faz sentido abrir os laboratórios de informática das Universidades e muito menos esperar que os alunos procurem por lanhouses num momento destes para se atualizarem acerca das aulas remotas.

Outra peculiaridade do Ensino a Distância diz respeito ao modo como se planejam e executam as aulas. Geralmente utiliza-se um software chamado de Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) dotado de várias ferramentas pensadas e produzidas para utilização em Ensino a Distância. O uso desse programa de computadores demanda formação adequada tanto dos docentes, que prepararão suas aulas remotas, quanto dos discentes, que precisarão saber como utilizar o AVA para poderem acompanhar as aulas. Essa formação demanda pelo menos pequenos mini-cursos presenciais para que se aprenda o básico da utilização das ferramentas, e o que se está querendo evitar é exatamente a presença de pessoas num mesmo ambiente com o objetivo de se conter a proliferação da Covid-19.

Em segundo lugar há que se considerar que a opção discente por Ensino a Distância se relaciona ainda com certas aptidões adquiridas para acompanhamento de cursos nessa modalidade. Muitas pessoas têm dificuldade, mesmo com computador em casa, de se disciplinar para fazer um acompanhamento metódico dos cursos. Não é por acaso que os níveis de evasão, nos cursos oferecidos por meio do Ensino a Distância, costumam ser bem mais elevados do que nos cursos presenciais. Havemos de levar em conta que não desejamos ver as turmas presenciais, submetidas ao Ensino a Distância, minguando em quantidade de alunos, em função da falta dessa aptidão para realização de cursos a distância.

Em terceiro lugar, é uma minoria de professores que estão formados e familiarizados com o planejamento e a produção de aulas para o Ensino remoto. Tele-aulas gravadas em estúdio até que podem apresentar alta qualidade de produção e apresentação, entretanto isso demanda experiência que poucos professores acumularam até o momento. Além disso, se formos pensar em aulas a distância oferecidas aos alunos dos cursos presenciais, haveremos de nos lembrar que além de não conhecerem os AVA normalmente utilizados para aplicação de EaD, ainda há o problema de que a Universidade conta com poucos recursos para produção de tele-aulas e suporte para atendimento a todos os professores que sempre somente trabalharam com Ensino Presencial.

Em quarto lugar, complementando o que já foi citado acima, a ferramenta de que disporíamos no momento em algumas de nossas Universidades Federais para preparação e oferecimento de Ensino a Distância para todos os alunos da Universidade, seria o SIGAA. Trata-se de uma boa ferramenta de apoio ao trabalho docente, mas não se constitui plenamente como um AVA, deixando muito a desejar em termos de avanços tecnológicos e de informação quando comparado, por exemplo com o MOODLE, que é utilizado especificamente nos cursos de Ensino a Distância de várias Universidades.
Poder-se-ia questionar o porque de não se cadastrar os alunos das Universidades para utilização de AVA do tipo do MOODLE, mas como dissemos anteriormente isso demandaria uma certa quantidade de mão de obra (para o cadastro de cada usuário propriamente dito), mini-cursos de formação para os docentes e para os discentes que utilizariam esse software.

Outros argumentos podem ser levantados e discutidos com o objetivo de se pensar o Ensino a Distância para discentes do Ensino Presencial, entretanto acredito que o que foi apresentado até aqui já demonstra o impedimento da utilização do Ensino Remoto como forma eficaz e eficiente de se garantir uma educação de qualidade para nossos alunos.

Para o momento, o melhor é aguardarmos até que as coisas se normalizem - ou pelo menos se aproximem o suficiente do normal - para voltarmos às aulas presenciais.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

EaD na Educação Infantil


EaD na Educação Infantil


Flavio Boleiz Júnior
CE - UFRN

A ideia de se substituir as aulas das escolas de Educação Básica e mesmo das Universidades por Ensino a Distância é, no mínimo, estapafúrdia.

Na Educação Infantil essa ideia é mais que estapafúrdia. É uma ideia antieducativa. A Educação Infantil compreende o período quando o mais importante é propiciar às crianças condições para seu desenvolvimento físico - e intelectual por conseguinte. Para tanto, o mais importante é brincar. Mas não brincar com jogos eletrônicos ou com o computador: brincar usando o próprio corpo num esforço de desenvolvimento da coordenação motora ampla e com muito "faz de conta".

As crianças precisam brincar de roda, de boneca e carrinho, brincar de casinha, de médico, de lixeiro, brincar com cantigas tradicionais e canções em geral adequadas para a idade, brincar com blocos lógicos, com lego, com brinquedos de encaixe, com caixas de papelão, com papel, tinta e canetões coloridos, dentre outros jogos e brincadeiras. Se possível, as crianças devem também brincar com plantas (que elas aprendam a plantar), na cozinha (sob a supervisão de um adulto), na banheira... e precisam correr, pular, virar cambalhotas, caminhar, engatinhar, preferencialmente ao ar livre.

Nas idades pré-escolares, são essas atividades que prepararão a criança para o processo de alfabetização e de produção de conhecimentos científicos, tudo isso graças ao desenvolvimento do maior repertório possível de atividades que a leve a conhecer e dominar o próprio corpo e a imaginação.

Colocar uma criança em idade pré-escolar para ficar fazendo lições com cadernos, apostilas e folhas mimeografadas ou xerocadas com exercícios sejam lá do tipo que forem, denota desconhecimento acerca do processo de desenvolvimento infantil. E infelizmente é exatamente o que fazem a grande maioria das escolas de Educação Infantil. O curioso é que a literatura científica e os cursos de formação de professores ensinam que o importante para as crianças seja o brincar, mas os pedagogos e as pedagogas parecem esquecer de tudo que aprenderam em seus cursos de graduação. Especialmente os donos de escola, mais preocupados com seus lucros do que com o processo de ensino e aprendizagem dos seus pequenos clientes, simplesmente deixam de lado o que é melhor para as crianças e adotam apostilas, sistemas educativos dos mais variados tipos e vendem aos pais a ideia falaciosa de que quanto mais cedo a criança iniciar o aprendizado baseado no uso de lápis, cadernos, desenhos prontos, apostilas, computadores e outras ferramentas tecnológicas, melhor irá se desenvolver.

Criança precisa brincar. E muito.

O papel de uma boa escola de Educação Infantil é oferecer à criança a maior quantidade de possibilidades possível de brincadeiras. Só isso!

Não é por acaso que cada vez mais alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental encontram dificuldade para se alfabetizar. A maioria das escolas de Educação Infantil as entupiram de atividades, digamos assim, escolares, com muitos exercícios, muitas lições na própria escola e tarefas para casa para encher o tempo dos pequenos, e deixou de prepará-las para a alfabetização.

Mas por que é que são as brincadeiras, e não as lições escolares na Educação Infantil, que preparam as crianças para a alfabetização?

Nossa escrita é toda simbólica. Cada letra é um símbolo que se junta a outros símbolos para a formação de palavras. Além disso, nossa linguagem - a linguagem humana - é toda simbólica. Cada palavra simboliza um significado e um significante. O significante é a “forma”, o “corpo” que se vê ou que se ouve – da palavra –, já o significado corresponde ao conteúdo, ao que é representado pelo conjunto de sons e letras que constituem essa palavra. Ambos se complementam, de modo que o conceito corresponde ao significado, e a imagem acústica, ao significante[[i]]. Aprender a lidar com a linguagem escrita demanda domínio da formação de imagens associadas a letras e sons. Para tanto, é necessário que se tenha brincado muito de "faz de conta".

Quando uma criança brinca com uma caneta perfilando-a no ar como se fosse um avião, está treinando associar um objeto a um avião, portanto está se preparando para utilizar as relações entre significantes, significados e as palavras em si. Portanto está se preparando para ser alfabetizada.

As crianças são muito inteligentes. Quando se as submete a exercícios escolares de alfabetização muito cedo, claro que elas acabam aprendendo a imitar as letras copiando-as. Aprendem a escrever palavras e com o passar do tempo acabam aprendendo a lê-las também, mas acabam apresentando dificuldade para compreensão daquilo que leem. Não é por acaso que vemos crianças que conseguem ler, com alguma pequena dificuldade, mas conseguem ler frases simples aos 5 ou 6 anos de idade, tipo "a casa é bonita"; mas não são capazes de dizer o que significa aquilo que leram. Leem mais ou menos assim: " - A c ca ss ccassa caza e é b bo nit ta. A caza é bonita." Mas perguntadas do significado daquilo que acabaram de ler, respondem: "- Não sei.". Essa alfabetização capenga que acompanha a escolarização de muitas crianças durante o Ensino Fundamental iniciou-se antes do momento certo e sem que o educando estivesse preparado física e psicologicamente para tanto.

Diante dos argumentos até aqui expostos, pergunta-se: para que serve colocar a criança pré-escolar diante da tela de um computador com lições a distância enviadas pela sua professora em tempos de pandemia? A resposta só pode ser: para nada, a não ser atrapalhar seu processo natural de desenvolvimento cognoscente. 

A pré-escola de seu filho está mandando lições e tarefas escolares para serem realizadas durante a quarentena? Que tal procurar uma outra escola que demonstre contar com profissionais que realmente entendam de desenvolvimento infantil?