quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Entrevista com Rubens Barbosa de Camargo, da Feusp: "Diretrizes para a carreira docente"

Diretrizes para a carreira docente


O professor da Universidade de São Paulo fala sobre a importância de definir parâmetros nacionais para os planos de carreira de professores e sobre as possibilidades de financiamento da educação pública



Marina Almeida



A União deve elaborar diretrizes nacionais para os Planos de Cargos e Carreiras dos professores. É o que defende Rubens Barbosa de Camargo, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e ex-secretário municipal de Educação de São Carlos e Suzano. 

Ele explica a necessidade de uma lei nacional que defina os grandes critérios de evolução na carreira docente, a partir dos quais as redes estaduais e municipais elaborariam seus própios planos. O pesquisador, que coordena atualmente um estudo sobre a remuneração dos professores de escolas públicas da Educação Básica, conta que os docentes não entendem sua folha de pagamento, as gratificações e descontos. Contribui para isso a ausência de Planos de Carreira claros e o fato de as políticas salariais serem, muitas vezes momentâneas e descontínuas. Na entrevista a seguir, concedida à editora Marina Almeida, o professor fala ainda sobre as expectativas do Plano Nacional de Educação (PNE), em votação no Congresso, e o debate acerca da destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a área. 

Como a demora para aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) afeta a elaboração dos planos municipais e estaduais de educação?
Desde 2010 não temos um PNE, que deveria orientar a elaboração dos planos municipais e estaduais. O MEC tem sua política, mas não há algo que dê um direcionamento nacional para a educação. É esse o papel de um plano: orientar sobre como realizar a educação nacional nos próximos anos, como perseguir determinados objetivos e metas. Sua falta implica uma postura quase que errática dos sistemas e das redes, que ficam sem uma diretriz maior, ainda que continuem tocando seus trabalhos e tenham absorvido várias das políticas dos programas federais. Outras vezes não há sintonia com a política nacional, até por divergências partidárias. O plano, como é suprapartidário, tenderia a orientar as diferentes ações numa direção mais homogênea, comum, além de possibilitar a ação de longo prazo. Sem isso, as secretarias e o Ministério trabalham apenas no que vai aparecendo, pois o dia a dia é muito intenso, das escolas ao Ministério. Se você não tem uma visão de onde quer sair e para onde quer chegar, no máximo cumprirá programas de governo. A ideia é que o Plano Nacional esteja na perspectiva de um plano de Estado, portanto acima de governos e com uma duração maior no tempo.

As redes deveriam estar revisando seus planos municipais de educação, mas muitas ainda estão elaborando sua primeira versão e justificam isso pela indefinição do PNE. 

A lei anterior já colocava a necessidade de fazer o plano, portanto não era preciso esperar o novo Plano. O que interfere é que no PNE anterior não havia a questão do financiamento, mas as redes podem rever seus planos municipais depois, à luz do que for aprovado no novo PNE, e já têm todos os elementos para sua elaboração e aprovação na Câmara. Os planos estaduais também. O Estado de São Paulo, por exemplo, fomentou os planos municipais, mas não aprovou o seu plano estadual. Há dois projetos de lei na Assembleia Legislativa, com duas visões diferentes de educação, parados. 

A Conae 2014 deve acontecer com o PNE ainda em votação, isso pode prejudicá-la?
A Conferência Nacional da Educação (Conae) e o Fórum Nacional de Educação são instâncias de participação do setor no Brasil, algo inédito e importantíssimo. Estamos no processo de realização de uma nova Conferência, mas ao mesmo tempo sem ter ainda um PNE, que está tramitando. O projeto original do Plano, que saiu do MEC e foi para o Congresso, não foi completamente respeitoso com as decisões que a Conae tinha deliberado, em especial, a questão dos recursos, que é significativa. A Conae aprovou 10% do PIB para a educação pública, mas o MEC apresentou a proposta de 7% para a educação. Estamos num momento de tensionamento. Acredito que é um momento importante de participação para interferir também no PNE em tramitação.

Após três anos no Congresso, o que podemos esperar do PNE que sairá dali?
O projeto do PNE que saiu da Câmara tem alguns pontos complicados, mas trouxe avanços, como na questão do financiamento com 10% do PIB para a educação pública. No Senado, o relator manteve os 10%, mas tirou a palavra pública da formulação, deixando apenas "educação", o que permite a interpretação de que esse valor pode ser destinado para financiar a educação privada no Brasil, em novas formas inclusive, para além das ações que já existem, como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e as creches conveniadas. 

A destinação dos royalties para a educação será suficiente para alcançarmos 10% do PIB?
É mais uma fonte. Hoje temos diversos tipos de receitas no Brasil, a principal é a tributária, formada pela arrecadação de impostos, taxas e contribuições. Nos últimos tempos o país privilegiou as contribuições porque sobre elas não existe a vinculação para a educação e para a saúde. A arrecadação federal cresceu, mas não nos impostos - e é a receita líquida dos impostos e suas transferências, como define o artigo 212, que vão estabelecer os gastos de manutenção e desenvolvimento do ensino e são a principal receita da área. Os governos fomentaram e valorizaram mais as contribuições e entendo que é para não possibilitar a vinculação constitucional. Há várias formas de aumentar os recursos para a área e atingir os 10% do PIB. Por exemplo, fazendo incidir também sobre as contribuições uma parcela a ser destinada para a educação, o que hoje não acontece. Há ainda uma arrecadação, muito pequena, de jogos de loteria que poderia ser aumentada, se for o caso. Os royalties do pré-sal não são impostos, nem contribuições, mas são mais uma fonte de receita e uma parte dela poderia e deveria vir para a educação.

É necessário investir 10% do PIB?
Falamos em 10% do PIB porque temos gargalos em todos os níveis e etapas, mesmo o ensino fundamental, que é dito como plenamente atendido, é oferecido em um modelo de 4 horas diárias, enquanto em outros países são 7 ou 8 horas. Além disso, o ensino médio tem uma defasagem enorme. Na educação superior predomina o setor privado, porém, condições mais adequadas estão no setor público, ainda que existam exceções, claro. Para suprir esses gargalos todos e melhorar o atendimento nas escolas - de prédios, equipamentos, livros, laboratórios, e também dos salários dos docentes - seria necessário aplicar algo em torno de 10% do PIB durante um tempo. Depois de instalada a capacidade, construída, equipada, aí é questão de manutenção e esse valor pode diminuir para uns 7% ou 7,5% do PIB, dado o tamanho do país. A ideia de qualidade também é crescente, mas aqui se trata de um mínimo. 

E quanto ao reajuste do piso docente, que está sendo questionado na Justiça?
A evolução do piso está associada ao reajuste do valor do custo-aluno dos anos iniciais do ensino fundamental urbano do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Mas sete governos entraram com ação de inconstitucionalidade, alegando que os reajustes estão acima da inflação. Ao fazer esse movimento de reajustar o piso de acordo com o valor mínimo do Fundeb - o que inclui todos os estados do Brasil, não só os que recebem complementação da União -, o governo federal procura diminuir as diferenças regionais. Sem isso, os estados que têm maiores salários vão estar cada vez mais distantes dos com menores vencimentos. Utilizar só o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) manterá ou até aumentará as desigualdades regionais. No entanto, esse reajuste não foi julgado ainda. 

Muitas redes reclamam que não têm recursos para o piso dos professores. Como resolver esse problema?
Na própria lei do piso há possibilidades de ampliar os repasses do governo federal para estados e municípios. Para isso, o governo federal exigiria que as redes cumprissem as vinculações constitucionais, abrissem suas contas e demonstrassem em suas planilhas que o valor do piso é impossível de ser pago pelo município com as verbas da educação. Há gritaria, mas até onde eu sei ninguém abriu seus dados para mostrar que cumpre tudo e mesmo assim não consegue pagar os salários. Não que eles não tenham outras demandas importantes, mas a educação pode determinar como será a vida das pessoas em termos de cidadania, de realização pessoal ou no trabalho. 

O grande embate hoje parece estar na reserva de 1/3 da carga horária para trabalho fora da sala de aula, que muitas redes ainda não cumprem.

Sim, é pouco cumprida. Em muitos lugares há artifícios adotados para contornar a lei. Em São Paulo, por exemplo, como o contrato do professor é por hora de trabalho e na escola ele trabalha por hora-aula (de 45 a 50 minutos), há uma tentativa de incluir esse intervalo entre as aulas na conta do 1/3 para dizer que cumprem a lei, o que a rigor não acontece.
 
O piso tem causado o achatamento das carreiras dos professores?
O piso serviu, sim, para estabelecer um valor mínimo inicial e corrigir salários de menor valor. Por outro lado, a diferença entre o começo e o final da carreira dos docentes está diminuindo. O valor inicial subiu, mas não foi acompanhado por um aumento proporcional dos demais. Há um risco de o piso se transformar no teto também, por isso a discussão mais séria hoje no movimento sindical de professores é justamente sobre a carreira. Essa é a grande discussão para enfrentar o achatamento e definir a concepção do que deve ser a carreira docente. Acho que está na hora de rediscutir a questão de uma diretriz nacional de carreira. 

Hoje cada rede tem autonomia?
A lei maior só estabeleceu a necessidade do plano de carreira que é uma discussão de cada rede, quando ele existe. Sou a favor de que o governo federal estabeleça as grandes diretrizes de como devem ser feitos os planos: qual deve ser o valor mínimo de salto do salário entre quem tem nível médio, superior e alguma especialização, qual seria o valor mínimo entre o início e o final da carreira, o valor de dispersão, qual seria a amplitude da carreira, entre outros fatores importantes. Vi Planos segundos os quais, para chegar ao final da carreira, seriam necessários 50 anos de docência ou que o professor tivesse pós-doutorado, não dá. Todas essas questões deveriam ser orientadas do ponto de vista central e os municípios e estados, dependendo de sua capacidade administrativa e financeira, podem favorecer mais ou menos as carreiras docentes, mas sem desrespeitar essas diretrizes.

Hoje o que temos por aí são modelos completamente diferentes, terminologias que aparentemente são próximas, mas com significados diversos em cada lugar - no meu entender para não permitir comparações entre uma situação e outra. Precisamos de um projeto de lei nacional que homogeneíze essas linguagens, estabeleça os mínimos nacionais de formação, amplitude, critérios... Hoje a evolução na carreira é sair da sala de aula, ser diretor, coordenador, isso teria de mudar.

E há planos nesse sentido?
Os sindicatos estão pensando a questão e uma das diretorias da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (Sase), do MEC, está incumbida de propor algo nessa direção. A ideia não é estabelecer uma lei nacional, mas diretrizes para os planos, como se fossem parâmetros mínimos, orientações. É interessante ressaltar que não é porque existe um plano de carreira na lei que ele é cumprido. Há planos interessantes que não são postos em prática.

O fato de o piso ter como base o profissional de nível médio contribuiu para esse achatamento da carreira?
Estamos caminhando para a universalização dos professores com ensino superior e para quase 50% deles com especialização. Mesmo o pessoal das creches, que veio da assistência social e tinha uma outra formação, está buscando esses cursos. Mas é uma situação complexa, porque a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação prevê a formação superior, mas admite quem tiver nível médio na modalidade normal. Se isso não for revogado, continuarão existindo cursos de nível médio de formação de professores. É uma condição concreta, eles têm essa formação, estão nas redes e isso tem de ser previsto na lei. O que precisaria era definir qual seria o ganho entre quem tem uma formação de nível médio para o professor e quem tem o ensino superior, o que varia muito de plano para plano. Defendo a formação de nível superior, mas já tivemos experiências muito interessantes de formação de nível médio, como o Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (Cefam), de São Paulo, por exemplo, que era de tempo integral, com bolsa para os estudantes. 

Como os professores se posicionam diante dessas questões?
Nossa pesquisa mostrou que o professor desconhece essa questão. Às vezes não entende nem o holerite que recebe, não sabe por que num mês tem gratificação e no outro não, só sabe que é pouco. E deveria ser a primeira questão a ser analisada pelo trabalhador: o valor do salário e seus benefícios. A política de gratificações momentâneas, inventadas para algo imediato, contribui para isso e se reflete nos planos de carreira.

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