segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Doutrinação marxista invade os espaços acadêmicos???

Um espectro que ronda o Brasil?

Luciana Ballestrin

Neste ano ocorreram pelo menos três episódios públicos envolvendo denúncias de "doutrinação marxista" no ambiente universitário brasileiro.


Neste ano ocorreram pelo menos três episódios públicos envolvendo denúncias de “doutrinação marxista” no ambiente universitário brasileiro: a recusa de um estudante em realizar um trabalho sobre Karl Marx, a pedido de seu professor (SC); a ação popular movida por um advogado contra um projeto de extensão de difusão do marxismo (MG), que acarretou em sua suspensão pela Justiça Federal do Maranhão e a acusação de um filósofo sobre a contaminação do marxismo nas Ciências Humanas e Sociais (SP). As três notícias tiveram cobertura em veículos midiáticos, cujas posições ideológicas são historicamente conhecidas do público.

O espraiamento nacional de uma suposição sobre o avanço do comunismo e do marxismo no Brasil, às vésperas do cinquentenário do Golpe civil-militar, convida a todos os cidadãos e cidadãs para a seguinte reflexão: o que estes discursos e ideias representam no Brasil após 25 anos da promulgação da Constituição de 1988? Gostaríamos de sugerir que isso reflete uma paranoia, compartilhada por pessoas e grupos capazes de formar guetos de opinião e que a despeito do alcance restrito, ganham destaque desproporcional na mídia hegemônica.

O conceito de paranoia, em termos psiquiátricos, possui sua própria história, como todos os conceitos mais ou menos compartilhados pelo campo científico. A despeito das controvérsias particulares inerentes a este campo - no caso, o da psicanálise - é possível sustentar com baixo custo de prejuízo que a ideia de paranoia envolve basicamente um delírio persecutório baseado em uma desconfiança descolada da realidade, razão ou empiria.


Defensivas ou preventivas, as consequências políticas da proliferação do discurso paranoico anticomunista e antimarxista ferem, paradoxalmente, dois princípios liberais básicos: liberdade de expressão e tolerância. Ao mesmo tempo, reedita a paranoia clássica alimentada pela Guerra Fria, cuja conjuntura internacional fora cúmplice do segundo período ditatorial brasileiro.

Foi justamente neste contexto que ocorreu a institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, amplamente apoiada pela estadunidense e liberal Fundação Ford.
Neste período, várias brasileiras e brasileiros pagaram com a dor, o exílio e a vida, o preço pela defesa de suas ideias comunistas e marxistas, bem como quaisquer outros que contrariassem à lógica da Ditatura Civil-Militar. Hoje, qual é o preço a pagar por essa retórica da intransigência? Como responder a uma paranoia revestida de intelectualidade, a um despautério anacrônico e a um disparate sem fundamento?

Seria um tanto contraproducente esboçar nessas linhas argumentos e razões que tentem comprovar que o Brasil não é governado por comunistas e que a universidade brasileira não está intoxicada pelo marxismo. Inútil, de igual forma, pensar na originalidade histórica dos escritos marxianos e na importância das várias correntes do marxismo - do vulgar e ortodoxo para o crítico e arejado - para os campos das Ciências Sociais Aplicadas ou não. Da mesma maneira estéril, argumentar que o eurocentrismo, o colonialismo e o progresso moderno não são completamente afastados do marxismo e que justamente por isso, ele encontra resistência nos movimentos decoloniais latino-americanos.

Produtivo, talvez, seja observar o nascimento de um novo tipo de direita no Brasil.
Mesmo os velhos e os contemporâneos clássicos do liberalismo político moderado são capazes de aceitar a tolerância, a diferença, a liberdade de expressão, a existência do Estado e o respeito ao outro. Não estamos falando, portanto, da adversária histórica direita liberal. Ela é nova justamente porque ultrapassa a própria moral e a própria ética do liberalismo e acontece neste exato momento histórico. Ela é nova justamente porque também se apropria dos discursos da esquerda e da democracia para combater a própria esquerda e a própria democracia.

Se, cada vez mais, a esquerda não tem se restringindo à alternativa marxista, criando um repertório de resistência, emancipação e libertação próprias, a direita não tem se restringido à alternativa liberal, criando um repertório de ignorância, esquecimento e ódio próprios. Certamente, o espectro que ronda a primeira já não é mais o do comunismo. Mas, o espectro que ronda a segunda ainda desagua no seu totalitarismo oposto, o fascismo. Ou será que estamos, simplesmente, paranoicos?

(*) Professora Adjunta de Ciência Política, Coordenadora do Curso de Relações Internacionais - Centro de Integração do Mercosul Programa de Pós-Graduação em Ciência Política - Instituto de Filosofia, Sociologia e Política, da Universidade Federal de Pelotas.


5 comentários:

  1. Bastava que esse soubesse do que acontece na Venezeule para saber que certas paranois são bem reais. Mas, nada mais merece quem escreve artigo para net e não tem e-amil

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  2. Meu caro, passar um trabalho sobre Karl Marx é tão doutrinário sobre passar um trabalho de Ensino Religioso sobre Buda ou de Biologia sobre Darwin. Além do mais, a presença do marxismo nas ciências humanas decorre de uma opção metodológica, como o seria o funcionalismo, o weberianismo, etc. Questionar isso é questionar as possibilidades de análise que o universo científico, isto é, restringir a ciência apenas a certos interesses. Admira-me que um professor universitário recaia nessa lógica deveras limitada...

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  3. Perdão, me referia ao comentário do anônimo e terminei me referindo ao dono do blog. No mais, corroboro com o texto e lamento que esteja em curso esse processo arbitrário de impôr restrições do debate acadêmico.

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  4. Prezados!

    Texto muito bom. Eu sou descrente de que temos ESQUERDA no Brasil. Nem temos partidos de Esquerda, nem temos muitas ou milhões de pessoas com convicção política capaz de se denominar de esquerda. Acho que Marx está tremendo no túmulo, quando dirigentes do PT - PARTIDO DOS TRABALHADORES ou PCdoB - Partido Comunista do Brasil se diz de esquerda e fazem verdadeiras parcerias, negociatas com a DIREITA CONSERVADORA e LIBERAL brasileira, para chegarem ao trono da República. O próprio LULA da SILVA, a Sra. DILMA, o Sr. DIRCEU e companhia. No Brasil a única Ideologia que eu acredito atualmente é a música do Cazuza: IDEOLOGIA, EU QUERO UMA PRA VIVER!!! Nós que estamos na Universidade, que somos uma minoria (das Ciências sociais/educação), ainda tentamos estudar os clássicos da politica cientifica mundial, mas quem está nas ciências exatas, quase não tem tempo para se dedicar a este mister. Acho uma grande ignorância (falta de conhecimento) de muitos brasileiros acharem que regimes ditatoriais como de FIDEL CASTRO, HUGO CHAVEZ, RUSSIA, CHINA, etc. são comunismo ou comunistas. A meu ver exemplos de comunismo seria os INDIOS brasileiros e outros em várias partes do planetas, bem como os kibutz em Israel. (Um kibutz (hebraico: קיבוץ; plural: kibutzim: קיבוצים, "reunião" ou "juntos") é uma forma de colectividade comunitária israelita. Apesar de existirem empresas comunais (ou cooperativas) noutros países, em nenhum outro as comunidades colectivas voluntárias desempenharam papel tão importante como o dos kibutzim em Israel, onde tiveram função essencial na criação do Estado judeu. - wikipedia). Trabalhei alguns anos em sistemas cooperativos aqui no Brasil. Aqui tem uma legislação toda especial, mas não conheço cooperativa que deu certo por muito tempo. algumas aguentam 10 ou 20 anos, mas termina sendo contaminda pelo capitalismo selvagem brasileiro. A Cooperativa é uma empresa de objetivos COMUNS (ideologia comunista), mas não dá para ser implantada e/ou implementada num sistema capitalista ainda irreal como o nosso. Digo irreal, por que nem somos capitalistas puros como os norteamericanos, nem somos uma ditadura como Venezuela, Cuba, Coreia do Norte e China, mas temos instrumentos (Medida Provisória que abarrota o Parlamento com atos ditatoriais da Presidência da República). Que país é ESSE???????????????

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    1. Meu Xará, podendo até sermos quixadaenses, quando essa não deixou e-mail, com certeza não queria saber de tais verdades. Achar que o lulimso gestado por Golbery é esquerda ou qualquer coisa neste país seria direita, é de um absrudo cavalar. Até mesmo Lula e FHC já foram parceiros de campanha: Lula emprestou macacão sujo para FHC ir naas portas das fábricas e FHC paletó para Lula ir nos ambientes acadêmicos, tudo como Golbery já tinha dito que seria. A´te mesmo o fato de Delfim ser ho0je o assessor mor do petismo tava escrito

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