terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Reflexões acerca do artigo do Professor José Otávio Auler Junior, publicado no jornal Folha de São Paulo, na coluna “Tendências e Debates” no dia 18 de fevereiro de 2013.


Reflexões acerca do artigo do Professor José Otávio Auler Junior, publicado no jornal Folha de São Paulo, na coluna “Tendências e Debates” no dia 18 de fevereiro de 2013.

Por uma educação de qualidade para todos, sem discriminações e elitismos

Flávio Boleiz Júnior 


     Somente ontem de noite li o artigo do professor da USP, Dr. José Otávio Costa Auler Junior.

     Gostaria de contrapor alguns argumentos apresentados por ele que, ao meu ver, se encontra absolutamente equivocado quanto à questão das cotas nas universidades paulistas.

     Logo no primeiro parágrafo, o autor sugere que nossa nação "pretende se inserir num mundo globalizado e competitivo". Entretanto essa não é uma pretensão de nossa nação, mas dos empresários e capitalistas em geral que desejam encontrar meios de multiplicar seus lucros e acumular mais capital por meio da exploração do trabalho de nossos concidadãos e dos bens naturais ainda abundantes em terras brasileiras. A pretensão de nossa nação é formar uma cidadania solidária, e não competitiva, plena de diversidade, e não globalizada, apoiada nos valores dos direitos humanos, da pluralidade de pensamentos e na liberdade de escolhas e de expressão. Uma sociedade cuja cidadania se possa exercer a partir da igualdade de direitos, sem dúvida nenhuma, mas também de condições e oportunidades.


     No segundo parágrafo, o autor atribui diferentes “vocações” às diferentes universidades e às unidades que às compõem. Metáfora pobre para tentar explicar o desnivelamento da qualidade presente no mundo acadêmico entre as instituições que lhe dão forma. Esse desnivelamento não advém de vocações diferentes, mas do tratamento absolutamente desigual que é aplicado à regulamentação, regularização e fiscalização das instituições de Ensino Superior por parte do Ministério da Educação, sem falar na obscenidade que constitui a existência das instituições privadas que, com raríssimas exceções, comercializam uma péssima formação para a maioria dos jovens brasileiros que, advindos das classes populares, não conseguem quebrar a barreira elitista dos vestibulares das instituições públicas.

   O Professor José Otávio faz referência a diferentes características das universidades classificando-as em instituições “técnicas”, “corporativas”, “abertas”, “de pesquisa” e “de formação”, como se o próprio termo universidade não apoiasse seu significado na abrangência do excerto latino universitas, que remete à universalidade, generalidade, toda extensão de qualquer coisa. Se é que existe alguma “vocação” para as universidades, essa disposição espontânea deveria ser exercida no sentido de oferecer a todos os discentes uma formação igualmente qualificada, voltada para a compreensão e exercício dos conhecimentos técnicos, corporativos, universalistas, da pesquisa e da formação, ou seja, da docência, da extensão e da pesquisa. Chamar de “vocação” as diferentes características das instituições de Ensino Superior é tentar naturalizar as justificativas para a elitização das ditas melhores universidades do nosso país.

  Em outro ponto de sua argumentação, o autor fala em “universidades de classe mundial”. A utilização dessa expressão bem pode ludibriar o senso comum, levando a crer que, no mundo, o padrão das universidades é elevado e muito desenvolvido enquanto que em São Paulo o nível das universidades em geral está aquém dessa “classe mundial”. Entretanto a realidade apresenta, no mundo todo, um seleto grupo de universidades, indisponível à maioria das pessoas, com altíssimo nível de qualidade. Trata-se de instituições financiadas pela iniciativa privada, quer dizer, pelo capitalismo internacional que paga pelas pesquisas que combinam com seus interesses no sentido de se produzir mais e gerar melhores lucros e condições de acúmulo de capital.

     Mais adiante o artigo faz menção à necessidade de um corpo docente altamente qualificado, a que chama “um corpo docente apto”, como condição para garantia da organização de instituições de excelência. A julgar pela argumentação anterior, somente os profissionais formados por instituições “diferenciadas” — como USP, Unesp, Unicamp, Ita... — poderiam compor um tal grupo seleto de professores. Essa assertiva não deixa de estar correta, mas não por conta de qualquer tipo de vocação ou inclinação “natural” das instituições citadas, e sim por causa do tratamento diferenciado que essas universidades recebem por parte da gestão pública, que privilegia as instituições que se destinam a atender as classes mais abastadas da nossa sociedade.

     Com influência quase religiosa em sua argumentação, o Professor Costa Auler Junior fala da necessidade de talento, tanto do corpo docente quanto do discente para que se possa caracterizar uma universidade de qualidade. Entretanto o que se necessita é de eficiência e eficácia na formação da classe docente e no tratamento do corpo discente para que a qualidade se apresente e assente sobre os trabalhos universitários.

     Defender uma posição contrária às políticas de cotas com os argumentos apresentados pelo Professor José Otávio Costa Auler Junior é assumir uma postura discriminatória e preconceituosa pra com os estudantes oriundos das classes populares cuja formação se realiza exclusivamente na rede pública de educação não por opção, por vocação ou por talento, mas por determinação social. A luta democrática dos professores universitários deve ser por uma educação da melhor qualidade para todos desde a Educação Infantil até a pós-graduação, em instituições públicas e bem administradas de acordo com os interesses da cidadania, e não do capital.

     Tomemos cuidado com o canto da sereia. Ele parece bonito e encantador!

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