FONTE: http://www.rosasensat.org
Federico Mayor Zaragoza
Federico Mayor Zaragoza
48ª Escola de Verão da Associação Rosa Sensat
12 de júlio de 2013
“Não faz falta uma nova lei de educação, e menos ainda uma
com grandes reveses como a de Wert.”
A preocupação de Federico Mayor Zaragoza é que a educação
não eduque. Teme que seja precisamente isso o que aconteça com a LOMCE. “Educação
não é saber mais inglês ou matemática, mas formar meninos livres e responsáveis”,
afirma este catedrático de Bioquímica que foi ministro da Educação entre 1981 e
1982. Ex-diretor da Unesco, adverte também que a lei Wert provoca “importantes
declínios conceptuais” e contem “aspectos inconstitucionais”. Reclama que se
escute mais os professores e menos a Igreja e critica que se questione o modelo
de imersão linguística na Catalunha. Por tudo isso, o atual presidente da
Fundação Cultura de Paz lidera uma plataforma com um título inequívoco: Stop Lei Wert.
Quais são os perigos
contidos na LOMCE?
A lei corre o rico de ser fugaz porque em um tema tão
essencial como é a educação não se pode ser imposta por uma maioria absoluta de
parlamentares. Os próximos governos, sejam da cor que forem, não acredito que
permitirão que essa lei avance. O primeiro grande erro é que nesta matéria,
como na saúde e na justiça, é necessário ser genuinamente democrático. A
maioria parlamentar permite a aprovação de leis com o pensamento de um partido,
mas o que é legal, algumas vezes, não é autêntico e a democracia consiste em
representar a grande maioria dos cidadãos. O governo está sendo precipitado em
aprovar uma lei que implica grandes reveses em matéria educativa para a Espanha.
“Confunde-se educação
com profissionalização e isso é um erro”. O que deveria mudar na lei atual?
Teria que haver mais filosofia, mais ensino e aprendizagem
artísticos. O que é que distingue cada pessoa? A capacidade de pensar, de
refletir, de imaginar, de inventar, de criar. O que não podemos fazer é
eliminar tudo isso. Precisa melhorar as relações entre os professores e as
famílias, fazer que a educação seja mais personalizada, cada estudante é
singular. A pior coisa que se pode dizer a um menino é “escuta, você não está
conseguindo acompanhar a turma”, pois o menino a quem se diga isso sempre
seguira atrasado. Deve-se dizer o contrário: “Como você é bom em humanidades!”
ou “Como você é bom tocando piano”. Isso é o que se deve fazer e isso é saber
educar.
Segundo a Unesco, a
educação deve formar meninos livres e responsáveis. Isso é possível com a
LOMCE?
Duvido. Educação não é saber mais inglês ou mais matemática.
Educação é o que diz a Unesco, uma definição que segue a linha proposta por
Francisco Giner de los Rios há um século: “Educar-se é dirigir a própria vida”.
Isso não tem nada a ver com o que está fazendo o governo nem com a definição da
OCDE (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento). Confunde-se
educação com profissionalização, com capacitação profissional, com as
habilidades ou destrezas que se pode ter num técnica determinada e isso não tem
nada a ver com educação.
Por enquanto o que a
LOMCE conseguiu produzir foi a união da comunidade educativa para lutar contra
ela.
É preciso respeitar-se as marés, porque a maré pode se
converter em tsunami e os tsunamis não são boas para ninguém. Faz muitos anos
que escrevi na lousa “evolução, revolução”. Quando se escreve a palavra
revolução e se lhe retira o “r” obtém-se evolução. Evolução é mudar o que se
tem que mudar e conservar o que se tem que conservar. Isso é o que faz a
Natureza e o que temos que aconselhar a todos que façam.
O governo se escuda na crise para justificar essas mudanças.
Por conta da crise está-se eliminando professores, reduzindo temporários... Ao
cortar por um lado, acaba-se cortando outras coisas. [...] Cortes em ciência, saúde,
educação ou em justiça está errado, porque disso depende o futuro da Espanha. E
o futuro da Espanha não depende do que as crianças aprendem a mais em Inglês ou
Matemática.
Wert justifica os
cortes dizendo que a melhoria da qualidade do ensino não está ligada ao
investimento econômico. Não fez diferença o corte de 6 milhões de euros em tres
anos?
Isso é uma bobagem. Não é tudo que depende de dinheiro, mas
um senhor que aplica um corte dessa monta no sistema educativo deveria pensar
duas vezes. O futuro de um país depende da qualidade da educação e a qualidade
da educação se alcança com menos alunos por turma, com um grande sistema de
formação permanente do professorado e com uma grande relação entre famílias e
educadores.
O senhor é catalão... acredita que o ensino de línguas “cooficiais”
é um problema que requer uma solução de Catalunha, como planeja o governo?
Na Espanha há bem poucas variantes linguísticas, que são uma
riqueza excepcional e o Estado central deve dizer que quanto mais línguas
espanholas se souber, melhor. Eu tinha cinco anos quando Franco proibiu na
Catalunha o ensino do catalão e na minha época falávamos mais catalão do que
nunca porque o que é clandestino sempre atrai. Os meninos não aprendem as
línguas de forma comparativa, mas de forma intuitiva.
Eu sou muito catalão, sou um cidadão do mundo, acredito que
quanto mais línguas falarmos, melhor, e portanto, me parece muito ruim que se
fale de espanholizar Catalunha. Mas o que é isso? Os separadores são piores que
os separatistas. Não se pode ser separador. Não se pode estar sempre fazendo
que haja pessoas que reajam diante desse separatismo centralizador. Se se
deseja mudar um modelo que em Catalunha funciona bem, é porque se tem saudade
da “Espanha, uma, grande e livre”.
Extraído da entrevista a Anna Flotats, publicada no http://www.elpais.es em 25 de maio de 2013.